Este artigo, que sucede o post publicado em Janeiro sobre a ofensiva Israelita sobre Gaza (pode ser encontrado nos arquivos), foi escrito há mais de duas semanas atrás. Hoje, quando os primeiros resultados (ainda não totalmente certos) dão a vitória a Tzipi Livni nas urnas Israelitas, parece-me mais actual do que nunca uma leitura do conflicto israelo-árabe sobre o prisma político.

Segunda Parte:
Sobre a luz desta teoria, podemos agora olhar com maior claridade para a história da região nos últimos meses. Na verdade, o presente conflito tem mais que ver com a evolução da política interna em Israel e nos Territórios Palestinianos do que com considerações geopolíticas do século XXI. Comecemos então com Israel. Em Julho do ano passado, após a revelação pública do envolvimento de Ehud Olmert, actual Primeiro-Ministro, num processo de corrupção, são convocadas novas eleições para a liderança do partido centrista Kadima. Em Setembro de 2008, a Ministra dos Negócios Estrangeiros, Tzipi Livni ganha as eleições internas do Kadima por uns meros 431 votos (1%) e começa negociações tendo em vista a renovação da coligação de governo. Porém, os partidos mais conservadores, nomeadamente o Shas, Meretz-Yachad e o Judaísmo Unido da Torah, decidem abandonar a coligação e alinhar com o Likud, agora liderado por Benjamin Netanyahu. Deparando-se então com um impasse político, o Presidente do Estado de Israel, Shimon Peres, convoca eleições legislativas para Fevereiro de 2009.
Nas semanas seguintes, as sondagens revelam a sucessiva perda de popularidade de Livni face à ascensão de Netanyahu, descortinando uma eventual reviravolta nas altas esferas políticas de Israel. As consequências desse desfecho para o processo de paz adivinhavam-se catastróficas. Com efeito, não é a primeira vez que tal cenário se apresenta. Entre 1996 e 1999, Benjamin Netanyahu foi Primeiro-Ministro de Israel, sendo hoje considerado como o mais conservador que alguma vez ocupou o cargo. A sua posição face aos Palestinianos ficou conhecida como a postura dos “três nãos: não à retirada dos Montes Golans; não às negociações sobre Jerusalém; e não às negociações com pré-condições.” Nas memórias de Dennis Ross, o assessor de Bill Clinton para o Médio Oriente, Netanyahu surge não só como uma personagem ‘intratável’, mas como o grande culpado pelo impasse em que caíram as negociações no final dos anos 90. A provável reeleição de Netanyahu como Primeiro-Ministro em Fevereiro de 2009 certamente acarretaria consigo semelhantes, ou porventura piores, efeitos para o processo. Isto porque já não estamos nos anos 90 e a conjuntura internacional, nomeadamente no Médio Oriente, sofreu uma grave deterioração.
Entretanto, o Hamas, envolto na velha contenda com a Fatah pelos ‘hearts and minds’ dos palestinianos, decide não renovar o cessar-fogo celebrado com Israel em Junho de 2008. Deste modo, o Hamas pretende alcançar dois objectivos. Por um lado, declara o final do mandato de Mahmoud Abbas e reclama a convocação imediata de eleições nos territórios palestinianos, acreditando que poderá tomar o governo não só na faixa de Gaza, mas também na Cisjordânia. A chegada do Hamas ao poder significaria, desde logo, um regresso do processo de paz ao ponto inicial. Com efeito, o movimento não subscreve a Declaração de Princípios de 1993, na qual Arafat (Fatah) reconheceu o direito de Israel existir no território. Pelo contrário, o Hamas define-se pela reclamação do estado Palestiniano em todo o espaço hoje ocupado por ambos Israel e pela Autoridade Palestiniana.

Porém, e acima de tudo, o lançamento sucessivo de rockets e mísseis contra o sul de Israel destinaram-se a enfraquecer a posição da recém-eleita Livni e do ‘campo de paz’ no país vizinho. O sucesso da estratégia é ilustrado pela mobilização da opinião pública israelita contra a tolerância do governo face ao ‘terrorismo’ palestiniano e a um processo de paz errático. Ao mesmo tempo, a táctica do Hamas fortalece a posição de Netanyahu nas sondagens e aproxima o final do processo de paz. É certo que não passou também despercebido ao Hamas o final de mandato de George W. Bush, o grande promotor desta iniciativa de paz. A chegada à Casa Branca de um novo líder que prometia um ‘mudança’ na forma da América se relacionar com o mundo (leia-se, uma transformação nas relações com o Irão e possivelmente também com o Hamas) incitava à antecipação da rotura com o actual processo de paz e a uma reformulação das posições no Médio Oriente.
Perante esta conjuntura, restam apenas duas alternativas a Tzipi Livni: tentar renegociar com o Hamas o cessar-fogo, sobre elevadas probabilidades de falhar e eventualmente perder as eleições em Israel; ou fazer uma demonstração de forças em Gaza para provar ao Hamas (e também aos Iranianos) que está atenta, mas sobretudo para reconquistar a confiança do povo Israelita. Entre as duas, optou pela última. Desde de então, os eventos desenrolaram-se perante nós com uma cadência dramática que, julgo eu, apanhou de surpresa Palestinianos e Israelitas. Nos jornais e nas televisões, comentaristas das mais diversas origens denunciaram Israel, acusaram o Hamas e dissertaram sobre a ‘insolvência do problema’. Até porque, em larga medida, a estratégia jogou contra os interesses dos que defendem o processo de paz: a opinião pública mundial tornou-se contra Israel e a sua cara mais visível, Tzipi Livni; o Hamas não foi exterminado, mas pelo contrário, afirmou-se como o genuíno defensor da causa palestiniana; e um re-enegrecimento das relações entre as populações da faixa de Israel, Gaza e da Cisjordânia.
Porém, no objectivo a que se propôs atingir, a estratégia está perto de alcançar sucesso. Foi esse o propósito de manter o Kadima no poder e assim salvar o processo de paz. Uma sondagem realizada recentemente mostra que Netanyahu mantém a liderança nas sondagens (com 29 lugares dos 120 no Parlamento Israelita), mas demonstra que Livni está agora mais perto da vitória (25 lugares). De qualquer forma, uma margem pequena entre os dois partidos possibilita não só a entrada de um partido mais conciliatório numa eventual coligação de governo, como também a formação de uma maioria governante pelo Kadima e porventura os Trabalhistas. Logo, as próximas duas semanas, as últimas antes das eleições, serão decisivas para o futuro do Médio Oriente. Contudo, em última análise, queda a pergunta se os fins, mesmo para alcançar um bem tão prezado como a Paz, justificam os meios, nomeadamente a morte de inocentes. Eu prefiro pensar que não, mas compreendo os que pensam que sim.
Texto e fotografia: Diogo Lemos