
(A Linha Durand que separa o Paquistao do Afeganistao. The Economist)
9 - A problemática fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão, a chamada Linha Durand, foi definida em 1893 pelos Britânicos como forma de separação entre os limites a noroeste da Índia Colonial e o Afeganistão. Na prática, a linha dividiu o grupo étnico dos Pashtuns entre os dois países (os Pashtuns representam a maior etnia do Afeganistão) e, mais tarde, deu origem às províncias Paquistanesas de North-West Frontier Provience (NWFP) e a Federally Administered Tribal Areas (FATA). Já na altura da invasão britânica, o povo Pashtun era descrito pelos oficiais coloniais como os mais bravos e ferozes inimigos que o Império tinha defrontado ao longo de quatro séculos - tanto assim, que os Ingleses acabaram por desistir do plano de ocupar o Afeganistão e ficar mesmo pela tal linha Durand. Mormente, as próprias características geográficas da região apresentam enormes obstáculos à permanência de um exército convencional (porventura, também expliquem porque a dureza dos nativos). Em primeiro lugar, este território situa-se a alta altitude, encontrando-se no ponto de encaixe entre a cordilheira dos Himalaias e a planície Iraniana, sendo, por isso, uma área propícia a tremores de terra (como tragicamente provaram os eventos de 2005), com relevo acidentado e níveis de oxigénio baixos. A região apresenta também contrastes climatéricos extremos, podendo ser terrivelmente quente durante o Verão (registando temperaturas acima dos 40 graus) e gelada durante o Inverno. Por todos estes motivos, o povo da região é essencialmente nómada, alternando entre as regiões mais altas durante o Verão e as mais baixas durante o Inverno para se abrigar do frio intenso, e, eventualmente, atravessando periodicamente a linha Durand (com as consequências que hoje vemos para a luta contra o terrorismo global). De facto, se fosse terrorista (ou me chamasse Osama Bin Laden), também eu escolheria esta região inóspita para me refugiar.
O segundo aspecto desta história é inevitavelmente o crescente poder dos mullahs entre os líderes tribais Pashtuns. A forma como esta miscigenação teve lugar é ainda motivo de discussão entre académicos, porém a verdade é que os mullahs ocuparam o espaço deixado vazio pela ineficácia ou desinteresse do governo central paquistanês. Mais tarde, este poder foi consolidado pela ascensão ao poder dos Talibans no Afeganistão, pelos fundos e recursos distribuídos na região por potências externas (como foi antes discutido) e pelo aparecimento de dadores estrangeiros como Osama Bin Laden que viam na região um embrião para a instalação da lei Sharia em outras partes do mundo. Por fim, a invasão americana do Afeganistão em 2001, a persecução dos grupos 'terroristas' no país e a deposição dos Talibans, levou a que a região se tornasse no último reduto destes grupos. Ao tomar consciência deste facto, os EUA decidiram seguir uma estratégia de incursões militares não-oficiais no território que acabaram por reforçar ainda mais a posição dos mullahs entre a população local. Por outro lado, estes, que perdiam terreno no Iraque, virão ali uma oportunidade para não só gerar o caos no Afeganistão, mas também alcançar um prémio muito maior do que alguma fez tinham sonhado: tomar as rédeas do poder no Paquistão, uma potência nuclear. A eficácia da sua estratégia ficou bem ilustrada pelo avanço, na semana passada, dos Talibans no districto de Buner (a menos de 100km da capital Paquistanesa), e por este documentário recente sobre o vale de Swat.

(Iftikhar Chaudhry já mudou várias vezes o destino político do Paquistao. Será que o voltará a fazer? Fox News)
10 - A história dos últimos dez anos na política Paquistanesa tem essencialmente quatro personagens: Nawaz Sharif, líder do partido Pakistan Muslim League (N); Pervez Musharraf, Chefe do Estado-maior Paquistanês entre 1998 e 1999 e Presidente do país desde então até 2008; Benazir Bhutto (agora, na figura do seu marido, Asif Ali Zardari), Presidente do partido Pakistan People's Party (PPP); e o juiz do Supremo Tribunal Iftikhar Chaudhry. A estes nomes é importante acrescentar que a base de apoio do PML (N) é, de modo geral, conservadora (concorrendo frequentemente em alianças com partidos religiosos), nacionalista e Punjabi; enquanto que a base de apoio do PPP é progressiva, rural e Sindhi (da província de Sindh, no sul do Paquistão). Em 1999, Nawaz Sharif, então Primeiro-Ministro, decidiu retirar a Musharraf o cargo de Chefe do Estado-maior para entregá-lo a um militar mais conservador e, por isso, mais próximo da base de apoio do PML (N). Um grupo de altas patentes militares seculares e próximas de Musharraf aproveitaram essa ocasião para retirar Sharif do Governo e instaurar Musharraf sob o preceito de uma situação de emergência nacional. A chegada de Musharraf ao poder foi inicialmente vista com bons olhos por observadores internos e externos. Para muitos, ele era o bom déspota, o mau menor que iria repor o Paquistão no caminho da secularização, estabilizar a economia e sociedade paquistanesa e finalmente sarar a ferida étnica no sentido em que Musharraf era militar, mas também Muhajir - imigrante da Índia.
Musharraf preparava-se para ser instaurado Presidente numa eleição democrática, em que concorreria com o apoio do Pakistan Muslim League (Q) em aliança com diversos partidos anti-americanos, anti-ocidentais e associados a movimentos religiosos, quando se deu o 11 de Setembro. No sentido em que a hegemonia do exército Paquistanês e, por trás dele, o Punjab, é assegurado pelos fundos americanos, Musharraf, como Chefe do Estado-maior, não teve outra hipótese senão alinhar, pelo menos publicamente, com os Estados Unidos na guerra contra o terrorismo. Porém, na frente interna, Musharraf continuou a colaborar com organizações e indivíduos ditos 'terroristas'. A gestão destes dois interesses acabou por se demonstrar desastrosa em 2007 quando ficou claro que a política de George W. Bush para combater o terrorismo no Paquistão tinha falhado redondamente, levando na realidade ao reagrupamento e fortalecimento destes grupos ao longo da fronteira com o Afeganistão (como ficou acima descrito). Apesar de toda a pressão externa e interna imposta sobre Musharraf neste período, acabou por ser o enigmático Juíz Iftikhar Chaudhry que o fez cair. Em Marco de 2007, deparando-se com a relutância de Chaudhry em aprovar a sua reeleição, Musharraf tentou forçá-lo a demitir-se e depois colocou-o sobre prisão domiciliária. A medida incentivou o início de um movimento popular anti-Musharraf, conhecido como o 'Movimento dos Advogados.' Por fim, Musharraf foi forcado a aceitar não só o regresso ao país de Sharif e Bhutto, mas também a demitir-se do cargo de Chefe do Estado-maior, que desde 1999 acumulava com o de Presidente do Paquistão, e a marcar eleições presidenciais para 2008. Foi no decorrer destas eleições que Bhutto, entretanto tendo emergido como a candidata consensual entre os interesses internos e externos, foi assassinada nas ruas de Islamabad. O PML (Q) de Musharraf acabou por ganhar as eleições com 40% dos votos, contra 37% do PPP e 23%. Porém, em Agosto de 2008, o viúvo de Bhutto, Asif Ali Zardari, e Sharif decidiram aliar forcas para depor Musharraf. Alguns dias mais tarde, Musharrad anunciava a sua demissão.
Na sequência destes eventos, Zardari, na altura sob investigação criminal na Suíça e acusado de lavagem de dinheiro pelo Senado Norte-Americano, foi nomeado Presidente do Paquistão. A aliança entre Zardari e Sharif durou pouco, tendo sobretudo azedado como resultado da reticência de Zardari em restituir o lugar a Chaudhry (no fundo, Zardari suspeitava que este fosse um primeiro passo para a sua deposição). Já no início desde ano, Sharif foi impedido de concorrer em quaisquer eleições e colocado sobre prisão domiciliária segundo ordem do Supremo Tribunal. Desafiando esta decisão, Sharif convocou um comício à porta de casa no qual anunciou o início de uma longa marcha até Islamabad que iria trazer o fim ao Governo de Zardari. Deparando-se com o espectro de caos no país (que a administração Obama mais tarde descreveu como 'o abismo'), no dia seguinte, Zardari foi forcado a restituir o lugar a Chaudhry e a revogar a ordem de prisão domiciliária de Sharif. Com esta vitória, este último consagrou a sua posição como o político da oposicao mais popular na Paquistão. Por sua vez, sobre a cabeça de Zardari pendem agora eventuais acusações de corrupção por parte do Supremo Tribunal assim como uma investida energética dos Talibans no norte do país. Por isso, julgo que em breve teremos novos enquadramentos políticos no Paquistão. Vamos manter-nos atentos.