A Gaivota Farragulha

    sexta-feira, julho 18, 2008

    Uma Aventura na Campanha de Obama


    A vitória de Barack Obama sobre Hillary Clinton nas primárias do Partido Democrata foi o triunfo pessoal de um candidato carismático, mas também a vitória de um enorme grupo de cidadãos que se empenharam em mudar o rumo da política norte-americana. Tendo começado com considerável desvantagem sobre a campanha favorita, a 'Obama team' conseguiu reverter a tendência através do uso eficaz dos media, do webpage ao facebook, de mobilizar novos eleitores, através de uma multitude de pequenos eventos de campanha espalhados pelas cidades, vilas e freguesias dos EUA, e de montar uma gigantesca rede de angariação de fundos que fez da campanha de Obama a mais rica de sempre. O sucesso é resultado de diversas acções oficiais de campanha, dirigidas directa ou indirectamente do 'Obama headquarters' em Chicago, mas também, e principalmente, de um movimento independente de cidadãos que trabalhou e trabalha para eleger Obama. Este movimento chama-se 'grassroots campaign' - ou seja, a campanha de raiz, do povo. Sem ele, Barack Obama não estaria onde está e os Republicanos estariam hoje certamente mais tranquilos. A ideia parecia promissora e, por isso, decidi investir um parte do meu tempo para descobrir o que é afinal a 'grassroots campaign.'


    A primeira etapa desta minha indagação passou-se em Harvard Yard, junto de um anúncio para 'Summer Campaign Jobs' que prometia salários entre 2,000 e 4,000 doláres em dois meses. O papel dizia: "Call Sam at: 617-338-7882 www.bringchange2008.org". Lá liguei para a Sam e em menos de 5 minutos fiquei com uma entrevista marcada para 3h 30 da seguinte Quinta-Feira. Na altura, perguntei se os estrangeiros também podiam participar e recebi uma resposta afirmativa. O George também quis ver o que era e portanto fomos os dois. O escritório ficava no quarto-andar de um edíficio vulgar e, como a maior parte dos escritórios de campanha (acho que por esta altura já vi suficiente escritórios de campanha para criar o meu esteriótipo), estava indescritívelmente caótico: as paredes calafetadas com recortes, notas, fotografias e lembretes, pilhas de papel nos cantos da sala, encostados às secretárias, junto dos telefones vários, cobrindo as mesas, lixo dentro e fora dos respectivos caixotes, cabos e fios traçando a alcatifa de lés-a-lés e cadeiras, todas elas singulares, como estátuas abandonadas pela sala. No apogeu dos seus vinte e muitos anos, a Sam era uma daquelas pessoas que anda sempre a fazer mais coisas do que é humanamente possível, e mandou-nos entrar para uma sala onde já estavam outras três pessoas sentadas: uma rapariga loira respeitosamente arranjada para a entrevista; um sem-abrigo de cinquenta ou sessenta anos, e uma outra rapariga com um ar mais relaxado. Ninguém disse palavra até a Sam entrar na sala para nos explicar como funcionava o 'grassroots campaigning'. O objectivo era angariar o máximo de dinheiro para ajudar Barack Obama a ganhar as eleições em Novembro. Todos os dias, entre as 2 da tarde e as 10 da noite, às vezes até mais tarde, deveriamos percorrer uma área da cidade e tocar em todas as portas para pedir dinheiro. O dinheiro que ganhariamos dependia do dinheiro que conseguissemos angariar. "Os melhores angariadores," a Sam explicava, conseguiam fazer mais de 1000 dólares num dia e conseguiam viver só da campanha. Ela própria, por exemplo, tinha abdicado do seu emprego em Janeiro para se dedicar em pleno à causa.



    Acabada esta fase, passamos à parte das entrevistas que foram conduzidas uma a uma na sala caótica. Primeiro a rapariga loira e depois fui eu. A Sam começou por dizer que até agora tinha falado ela e agora era a minha vez de contar a minha história: o que estava a fazer nos EUA, a minha experiência na área, porque queria trabalhar no 'grassroots campaign', etc. Até aqui tudo muito bem, aliás acho que a impressionei com o meu interesse em importar o modelo da 'grassroots campaigns' para a Europa. Foi na última pergunta que a vi o reflexo da minha cara perder o brilho na dela: devia imaginar que tinha tocado à porta dela a pedir dinheiro e que ela tinha dito que iria votar no Barack Obama, mas que não queria doar dinheiro agora, mas só mais perto da eleição. O que responderia eu a isto? Chegar à resposta foi bastante simples ("agora é que Barack Obama precisa de dinheiro, mais tarde já não fará diferença), mas a falta de convicção na minha voz foi dolorosa. A verdade é que não me identifiquei com este modo de angariar dinheiro e muito menos compreendi a diferença de 10, 15 ou 50 doláres agora ou mais tarde para Barack Obama, quando porventura fariam falta a quem os desse. Seriam esses dólares que ajudariam a pagar a dívida de Hillary Clinton? Ou seriam esses dólares para pagar o meu tempo? A entrevista acabou por aí e a Sam disse-me que ligaria até ao final da semana se tivesse alguma coisa para mim. Como é óbvio, nunca mais ligou - nem a mim, nem ao George. Algumas semanas mais tarde, o George encontrou-a por acaso no metro. Ela disse-lhe que não nos tinha ligado porque eramos estrangeiros e não tinhamos um visto de trabalho nos EUA...




    (continua com uma "Obama Party")

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