
As três premissas deste processo de paz referidas no post anterior parecem evidentes. Com efeito, a ideia de que a paz entre Israel e a Palestina é urgente, de que os Palestinianos precisam de um Estado e de que os Israelitas estão dispostos a fazer concessões em troca de segurança nacional são aceites por quase todos como dados adquiridos. No entanto, é importante distanciarmo-nos um pouco do conflicto e, sobretudo, da narrativa sobre o conflicto que permeia a grande maioria dos relatos da comunicação social para podermos avaliar o verdadeiro valor destas premissas.
Sem dúvidas, a paz no Médio Oriente é necessária. Para além dos elevados custos humanos infligidos sobre ambas as partes, o conflicto tem sido o epicentro de vagas de instabilidade que assolaram o planeta nos últimos sessenta anos. Existe também a percepção, no Médio Oriente assim como na Europa e nos Estados Unidos, de que a disputa tem vindo a recrudescer ao longo dos anos e de que, caso não seja resolvida em breve, poderá estar na origem de um novo conflicto à escala mundial. Sem dúvidas, 'the stakes are high' e a paz tarda.
Porém, a atenção dedicada ao conflicto parece um tanto ou quanto desproporcional quando comparada com outras situações potencialmente catastróficas, nomeadamente o conflicto entre duas potências nucleares em Kashmir (também desde 1947), a atitude militarista da Coreia do Norte (que, na semana passada, testou uma bomba nuclear na fronteira com a Coreia do Sul e lançou vários mísseis sobre o espaço aéreo do Japão) ou a aquisição de uma bomba nuclear pelo Irão (que hoje parece apenas ter relevância no contexto do conflicto Israelo-Árabe e não pelas suas implicações para a Rússia, a Índia, o Paquistão e a Arábia Saudita). Não se trata pois de um problema de quantidade de atenção, mas sim de uma questão do valor que essa atenção tem sobre as sociedades mundiais e, particularmente, sobre o Ocidente. Na realidade, o conflito Israelo-Árabe encontra-se hoje espantosamente politizado, ultrapassando muito além dos limites geográficos envolvidos, mas também além dos próprios tópicos em questão. Por todo o mundo, formaram-se definições sobre o que é estar “a favor de Israel ou da Palestina”, aliando-as frequentemente a preconceitos sobre identificações políticas que dizem mais respeito a realidades autóctones do que à própria disputa, e que têm, quase sempre, por base, um conhecimento medíocre ou inexistente sobre o conflito.
Por este motivo, ouvimos tantas vezes dizer, na rua como também em debates de ditos especialistas, tantas incongruências e erros factuais sobre este conflito. O mesmo não se passa em relação a outros conflitos: afinal, julgo que o Bloco Esquerda não tem planeado nenhuma manifestação a favor da integração do Kashmir Indiano no Paquistão. O reverso desta moeda, o que aqui nos diz respeito, é que o empenho, ou pelo menos a declaração de empenho, em estabelecer a paz no Médio Oriente é amiúde um artífice, e não uma verdadeira declaração de intenções. Na realidade, sucessivos políticos têm manobrado esta questão apenas para demonstrar que estão a trabalhar pela paz mundial. Este aspecto está bem patente na história dos processos de paz no Médio Oriente, sobejamente em pomposas declarações e apertos de mão que levaram a pouco, e, acima de tudo, é evidente neste último ímpeto de paz, lançado por George W. Bush em 2007 para lavar as mãos depois do fiasco do Iraque. Sim, a paz é urgente e necessária, mas ela não será alcançada amanhã apenas porque serve ela serve as ambições de políticos externos – e também de alguns internos, diga-se. A paz chegará ou não quando Israelitas e Palestinianos estiverem realmente dispostos a dizer adeus às armas. Como é óbvio, esse momento pode nunca chegar, mas se hoje existe a crença de que a paz é possível no Médio Oriente, ela prende-se fundamentalmente com as premissas do processo de paz e não nos desejos da comunidade internacional.
Este ponto leva-nos ao argumento central da minha crítica em relação ao presente processo de paz. Para não me alongar muito em explicações vou apenas focar aquela que, a meu ver, é a sua principal falácia: a solução dos dois Estados. Julgo que tais soluções, embora permitam algum desanuviamento na fase inicial, não auguram boas perspectivas no longo prazo. A história oferece-nos bons exemplos nesta linha de argumentação a começar pela divisão da Transjordânia em 1947 – da qual originou o conflito - mas também a fragmentação dos Balcãs após a queda do comunismo e a criação da Índia, do Paquistão e do Bangladesh na segunda metade do século. Acredito que este tipo de soluções visa um cessar rápido das hostilidades, mas não se dirige aos problemas fundamentais que opõem as duas populações que se debatem. Como defendi anteriormente, essas divergências devem ser acomodadas do ponto do Estado de Direito e nao através da segregacao das populacoes em dois Estados.
(O mapa do Médio Oriente no futuro nao será muito diferente deste aqui apresentado.)
Acresce a este ponto de vista, um argumento que se prende com as próprias circunstâncias do processo de paz e nomeadamente com a segunda e a terceira premissa referida no post anterior. Em concreto, a proposta de paz em negociação prevê a criação de um Estado Palestiniano que será certamente um Estado inviável: dividido em duas partes, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza; rodeado por um forte aparelho militar Israelita que não aliviará, a longo prazo, o sentimento de claustrofobia das populações Palestinianas; e desprovido de grande parte dos poderes, como o direito ao controlo do Espaço Aéreo, a livre entrada e saída de cidadãos que caracterizam o Estado moderno.
Na medida que estes elementos levantarao obstáculos ao quotidiano das populações palestinianas, elas terão também consequências sobre o bem-estar de Israel. Com efeito, acredito que após uma fase inicial em que haverá alguma satisfação com a terminação do conflicto 'oficial', existirá um reconhecimento de que a população em Gaza continuará estrangulada entre Israel e o mar, assim como na Cisjordânia sucederá inevitavelmente a desilusão geral com as consequências práticas da paz. A estas eventualidades deverá juntar-se a continuação de actividades ilegais por grupos terroristas como o Hamas contra o presente processo de paz, e consequentemente contra as populações Israelitas e Palestinianas. Deste modo, os Israelitas continuaram a estar vulneráveis a ataques terroristas por parte de grupos radicais Palestinianos. Por outras palavras, nem os Palestinianos terão o Estado que desejam (com a consequência eventual de gerar descrédito pela solução legalista do conflicto), nem os Israelitas terão a segurança nacional que ambicionam (também incitando a atitudes mais agressivas dentro de Israel, nomeadamente a ideia de que Israel deve ocupar por completo a Palestina para sobreviver). No fundo, acredito que, na tentativa de encontrar uma solução rápida para o conflicto que convenha à comunidade internacional, este processo de paz levará ao esvaziamento da margem de entendimento entre Israelitas e Palestinianos e a popularização de posições radicais em ambas as partes. Neste sentido, a solução dos dois Estados tornará ainda mais grave a situação no Médio Oriente.
Assim, hoje, no dia em que Barack Obama inicia a sua visita ao Médio Oriente, julgo que o reconhecimento desta situação transpira nas declarações feitas por Benjamin Netanyahu e Mahmoud Abbas sobre o processo de paz. Resta saber se Barack Obama tem um coelho para tirar da cartola no último momento.
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