(Do outro lado. IndigoeoMar)
Para chegar a Ramallah é necessário ir até à Porta de Damasco em Jerusalém e apanhar o autocarro 18. Logo ali, numa rua fechada ao trânsito por detrás do mercado, sente-me o ambiente tenso de uma zona de guerra: mulheres de cabeça coberta percorrem a rua com sacos de plástico nas mãos sob o olhar de militares empunhando metralhadoras. Após um pequeno compasso de espera para completar os lugares do autocarro (ou não fosse este um veículo árabe), partimos em silêncio e de cortinas quase fechadas em direcção ao check-point de Qalandia. Pouco depois, e sem qualquer tipo de interregno, atravessamos a enorme barreira que divide os dois territórios. Entrávamos na Palestina.
Os nossos contactos eram Rawda e Issa Khouriya, um casal católico palestiniano que se lançou recentemente no negócio do turismo para financiar a construção de uma moradia de quatro pisos. Receberam-nos com notória inquietação – estavam preocupados com a limitação do tempo. Olhamos para o relógio e pensamos que os nossos anfitriões deveriam estar loucos: ainda não eram 11 da manhã e todos os locais que pretendíamos visitar ficavam a escassos quilómetros uns dos outros. Mal imaginávamos nós que nem teríamos tempo de engolir uma sanduíche.
As deslocações de automóvel na Palestina são infindáveis torturas que ziguezagueiam entre colinas e depressões, pincham de lomba em lomba e estagnam ocasionalmente em submissão aos jovens israelitas que patrulham a região. Nenhum dos que vi aparentava ser tão velho quanto eu. Para completar o quadro, o nosso condutor demonstrava uma cabal falta de aptidão para a tarefa que lhe competia; acima de tudo, uma enorme dificuldade em detectar passeios, lombas e tudo mais que não se apresentasse no raio de um metro a contar em linha recta a partir dos seus olhos. Portanto, parte da pressa era dificuldade em deslocar-se.
A outra parte era medo do escuro. Este sábado, dia de oração, coincidia também com um dos primeiros fins-de-semana depois de novo cul-de-sac no processo de paz. A segunda intifada começou assim. Será que a terceira começaria hoje? ‘Se a terceira intifada começar, vamo-nos embora,’ disse-nos a Rawda. ‘Halas, vamos embora!’ Grupos de crianças e pré-adolescentes claramente em busca de perigo começaram a ocupar as ruas. Fazia-se tarde e o Issa queria voltar a casa antes de anoitecer. Porém, o lençol da noite alcançou-nos a meio do caminho.
Não nos deixamos apoquentar. Em breve, estaríamos em casa a digirir as histórias e as imagens que vimos num só de dia. De repente, ouvimos um disparo na berma da estrada, vemos um jovem esconder-se para lá de um pneu a arder e o Issa põe o pé no acelerador. ‘What the hell was that!?!’, perguntamos estremonhados, ainda a recuperar do susto. ‘Rubber bullets, no problem. Now you’ve had your little adventure in Palestine.’ Felizmente, a noite acabaria rapidamente para nós, mas, pelo aspecto da coisa à entrada de Ramallah, as guerrilhas voltariam nessa noite.
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