A Gaivota Farragulha

    quarta-feira, julho 21, 2010

    Uma espécie de final


    (Saiba-se que o norte da Síria foi onde um dos locais mais bonitos onde o autor já esteve. IndigoeoMar)

    Caros leitores,

    Como os poucos que visitam este blog terão eventualmente reparado, o ritmo de publicação tem vindo a abrandar nos últimos tempos, sendo que, desde a morte de José Saramago, nada mais foi publicado neste blog. Na realidade, estava a adiar o momento em que vos teria de dizer, mas sobretudo reconhecer para mim próprio, que o percurso de vida deste blog, o Indigo e o Mar, chegara ao fim.

    Vários motivos me levam a tomar esta decisão. Em primeiro lugar, a temática condutora a que os textos sempre regressavam - a situação política em Portugal - entrou numa fase de auto-repetição que serve mal de inspiração a quem escreve por gosto e missão auto-imposta. No fundo, e apesar das tristes transformações que hoje que se dão no nosso país, muito pouco se poderia acrescentar ao que já foi escrito sobre o actual Primeiro-ministro, o Governo, os partidos da oposição e a sociedade civil. Infelizmente, não consegui atingir o meu objectivo de usar esta plataforma para incitar a um debate fruitivo sobre a direcção estratégica do país. No melhor dos casos, as minhas palavras causaram algumas reacções vitriólicas que pouco ou nada contribuíram para o diálogo essencial que deveríamos ter.


    Por outro lado, a minha vida está também prestes a sofrer uma grande mudança, pelo que decido romper com aquilo que foi até agora. Como alguns de vocês sabem, vou começar uma nova vida ‘across the pond’, como os ingleses gostam de se familiarizar com o Atlântico, que certamente implicará uma adaptação a novos modos de pensar, ser e estar. Não vos pretendo entediar, como fiz outrora, com histórias da minha experiência numa nova sociedade; acima de tudo, porque este blog nunca foi sobre mim e sobre a minha vida, mas sobre o mundo e, de vez em quando, sobre as minhas ideias sobre ele. Por isso, deixo para mim próprio ou para aqueles que mantiverem o contacto comigo sobre a minha vida nos próximos meses.


    Por fim, e porque temos de ser sinceros, abandono este blog por não conseguir construir a base de leitores que ambicionava. Não raramente, sentia que apenas eu me lia a mim próprio. Inicialmente, não levantou objecções de consciência, mas à medida que os textos se foram tornando mais ambiciosos fui sentindo que o meu tempo era cada vez mais desperdiçado neste blog. Em nome de que fim, escrever sobre a política e as mudanças que deveriam ser tomadas se ninguém nos lê, e se ninguém nos contrapõe – para tal, guardo as ideias na segurança do meu pensamento que assim sempre as conjuro melhor para uso futuro. Reconheço que o problema seria meu: o estilo dos textos, o vocabulário empregado, o design do blog, se calhar até, a falta de uma linha objectiva e definidora do blog no seu todo. O Indigo e o Mar era um blog que se propunha publicar sobre a vida contemporânea mas que talvez se devesse dedicar em exclusivo a uma das suas várias facetas.


    Em suma, são estes os pontos de reflexão neste momento. São conclusões de um final, mas quem sabe talvez também ideias para um começo. A fonte não secou. Continua aqui, bem vivo, o desejo de escrever sobre nós e o mundo e de partilhar com todos vós os meus pensamentos. Simplesmente, hoje reconheço a necessidade de encontrar um veículo melhor para as minhas ambições. E é disso que se trata este adeus. De um período de avaliação e regeneração.

    Obrigado por me acompanharem!

    Indigo

    terça-feira, junho 22, 2010

    Retrato de um português enquanto escritor



    (Simplesmente, José Saramago. Miopia)


    José Saramago, escritor maior da língua portuguesa, morreu sexta-feira passada aos 87 anos na sua casa em Lanzarote.

    Curiosamente, não é a obra do homem que mais nos ocupa neste momento da sua morte. São os prémios que alcançou, as controvérsias que protagonizou, a longa e tumultuosa vida que levou e, agora até, as personalidades que ao seu funeral acudiram. Por minha parte, preferiria recordar Saramago sem Nobel nem polémicas - ambos apenas o vulgarizaram nas bocas do mundo – mas reconheço que não existe opção. Saramago será sempre os livros mas também o Nobel, o exílio de Portugal, o comunismo, o ateísmo, o anticlericalismo, o iberismo e outros ismos que foram afixando a cada palavra sua. Para os outros talvez possa ser apenas o escritor, mas não para nós, portugueses, falantes da língua que enalteceu com luzidias palavras - Saramago será sempre obra e vida.

    Da excelência dos seus escritos, pouco resta dizer. Para mim, Saramago seria menos ‘operário da palavra’, como tanto gostava de se definir, do que trapezista da trama, cada livro seu tão surpreendente como intrincado na elaboração de universos equidistantes habitados por personagens aparentemente vulgares e certamente familiares ao leitor português. Quem acusava, e ainda acusa o escritor de ‘não gostar do seu país’, ignora com certeza o carinho com que apontava o carácter nacional: esta afectividade langorosa entre homens, mulheres e animais, esta honestidade singela, estes renitentes usos, costumes e tradições. Insistiam em situá-lo na escola sul-americana do realismo mágico, na tradição de Gabriel García Marquéz, Jorge Amado e Jorge Luis Borges; porém, Saramago distinguia-se. A miscigenação entre fantástico e terreno nos seus livros ia além do estritamente harmonioso e bolinava a rajadas bruscas entre o surrealismo ibérico e a lusitana propensão para o trágico. Sentia-se seguro, consciencioso, simples e escrevia por longas alíneas que espavoriam leitores, não sabendo que esta é voz de quem desafia a idade, uma espécie de chave mística para uma espécie de longevidade. Por transbordar sabedoria humana em avassaladoras composições, Saramago detinha singularidade no mundo da literatura mundial e merece a nossa adoração, com ou sem Nobel.

    Sobre a sua vida enquanto homem público é-me mais difícil qualificar. Por dois motivos: primeiro, porque não vivi, nem sofro forte emoção, sobre o período mais conturbado da sua existência, ou seja, o período pós-revolucionário; segundo, porque nunca tive oportunidade de conhecer o homem em causa. Ainda este ano, por altura da homenagem a Agustina Bessa-Luís na Fundação Fernando Pessoa, pensei em ir a Lisboa para ouvir ao vivo o melhor escritor português contemporâneo falar sobre a melhor escritora portuguesa de sempre. Saramago estava já muito doente e não compareceu. Será sempre uma pena minha ter perdido todas as oportunidades de o ver e ouvir em pessoa. Mas segui com atenção as suas comunicações públicas na televisão, na imprensa e no seu blog, O Carderno de Saramago. Destas ficou a impressão de um homem marcado pelos revezes do início da sua vida, revoltado contra a homogeneidade do senso comum e de um guerreiro indefectível por uma moralidade pessoal que professava religiosamente. Aliás, só um homem profundamente convicto numa qualquer fé poderia ter dedicado tanto tempo e papel a rejeitar uma outra religião, neste caso a Igreja Católica. Nesta luta de titãs existia tanto ódio que só poderia haver uma sombra de amor olvidada no passado. Seja como for, impõe-se demandar se numa sociedade dita religiosamente livre, não haveria lugar no dealbar do século XXI para um crítico da Igreja? Não é essa tolerância que, afinal, nos distingue dos 'fundamentalistas árabes'?

    Não posso oferecer a resposta, mas acho que Saramago gostava que pensassemos sobre estas questões. Pois, acima de tudo, Saramago gostava de provocar e, diz quem o conheceu, adorava discutir. Sempre que aparecia em público vinha armado de uma frase cirurgicamente manobrada para despoletar a indignação nacional. Infelizmente, Portugal não aprecia provocações. Obriga-o a pensar, a explicar aspectos da sua existência que considera melhor arrumados no fundo armário da memória nacional, por baixo de todos os grandes êxitos e delitos menores. E, em todas as grandes controversas que protagonizou, sejam elas sobre a religião, a sobrevivência do Estado ou a direcção política do país, Saramago foi retaliado com acusações e insultos mas apenas raramente com argumentos. Acredito que sofresse com esta nossa natureza, mas também que se divertisse. Fazia-o parte de nós. Uma parte hostil, distante, mas, ainda assim, um parceiro incontornável do debate português. Saramago era, afinal, um irmão difícil que, se não em vida, abraçaremos em morte. Até sempre.

    quarta-feira, junho 09, 2010

    Quem tramou Helen Thomas?




    Quem seguiu as notícias nos últimos dias terá certamente notado o alarido sobre a reforma de uma correspondente da Casa Branca de 89 anos, chamada Helen Thomas. Expectável? Para os que conhecem a carreira desta intrépida jornalista que, desde os tempos de JF Kennedy, detinha lugar cativo na primeira fila das conferências de imprensa na Casa Branca a notícia é pelo menos desconcertante. Helen Thomas estava tão perto do Olimpo quanto será alguma vez permitido a um vulgar jornalista estar (mais informação e fotografias sobre o percurso de Helen Thomas no site do The New York Times). O seu afastamento foi especialmente perturbador pelas condições em que teve lugar.

    Helen Thomas foi traída por um meio que não sendo da sua época, ela fez seu contemporâneo: o vídeo instantâneo. Há algumas semanas atrás, o rabbi David Nesenoff de Long Island e o seu filho visitaram a Casa Branca por motivo de um evento de comemoração da história Judia. Nos jardins do local, deparam-se de súbito com a legendária correspondente e o rabbi decidiu colocar-lhe uma pergunta para a câmara: que conselho daria aos Israelitas? A resposta de Thomas, que poderão observar acima, foi prolificamente difundida na internet, gerando uma onda de condenação que acabaria por forçar o seu afastamento. E, assim, acabaria a carreira da mulher que desafiou todos os estereótipos do meio em que se movia e que até Fidel Castro fez tremer.

    As declarações de Helen Thomas são, de facto, reprováveis. Vários colegas da senhora acorreram a lembrar que os seus pais eram Libaneses e que, no fundo, Helen nunca conseguiu ultrapassar o ressentimento familiar contra os Israelitas. Mais concretamente, insinuar que a Palestina não é ‘a casa’ dos Israelitas é uma declaração incendiária e até insultuosa que ignora os muitos judeus que sempre viveram na região. Para além do mais, Thomas negligência também o facto de os judeus terem sido forçados, através de actos brutais e inenarráveis, a abandonar as supostas ‘casas’ na Alemanha e na Polónia. De novo, este tipo de retórica não contribui para que ambos os lados, Israelitas e Palestinianos, possam confiar nas intenções um do outro e para que assim possam chegar a um consenso sobre a terra que ambos ocupam.

    Por outro lado, a reacção que o vídeo provocou assim como a consequência que causou - a reforma de Helen Thomas - parecem desproporcionais à gravidade do delito. Todos os dias, jornalistas, comentadores e políticos americanos proferem afrontas à dignidade e condição do povo árabe. Chama-lhes ‘atrasados’, ‘sanguinários’, ‘desonestos’, amalgamam-nos numa só categoria, confundindo-os uns com os outros, desejam o seu declínio e conspiram publicamente para alcançar esse fim. Porém, nenhum deste é forçado a pedir a demissão ou a reforma. Esse ponto de vista, infelizmente, é aceite na América dos dias de hoje. Mais a mais, Helen Thomas não ocupa nenhum cargo de Estado e não frustrou as expectativas que um grupo de eleitores depositou nela. Helen Thomas é uma jornalista, aliás comentadora era o seu título oficial, que foi interpelada na rua para dar uma opinião pessoal sobre um tema. Proferi-la não representa nenhum crime. Pelo contrário, forçar a sua reforma como consequência da sua opinião, representa um grave atentado à liberdade de expressão.

    terça-feira, maio 11, 2010

    Morrer na praia


    (Figuras de cera ou políticos reais? The Guardian)



    Desde do momento em que foi eleito líder inesperado do Partido Conservador, David Cameron pautou-se pela relação ambígua com a ideologia do partido. Por um lado, Cameron definia-se como o 'change-maker' que abriria o partido às mulheres e às minorias étnicas e traria para a esfera política temas progressistas como o ambiente e a coesão social. Antevia-se o nascimento de um novo tipo de conservador, o conservador do século XXI, mais aberto às sensibilidades do tempo em que vivemos. Devo confessar que fiquei verdadeiramente impressionado quando ouvi a minha colega Shiobana Khan, filha de mãe Colombiana e pai Paquistanês e nata em Putnam, subúrbio da classe média baixa do sul de Londres, proclamar que iria votar Cameron nas próximas eleições - ou seja, estas que decorreram no princípio deste mês de Maio de 2010 (twenty-ten). 

    Por outro lado, Cameron piscava o olho ao conservadorismo radical, colocando-se na ala dos eurocépticos, dos neo-liberais, dos anti-sindicalistas e dos que perigosamente defendiam que alguma coisa deveria ser feita acerca dos polacos, portugueses e húngaros que todos os dias roubavam empregos a bons e genuínos britânicos. Deste modo, surgiu a ideia que sobre aquela capa de compaixão e modernidade, escondia-se um 'tory da pior espécie', que iria destruir o Estado Social Britânico e polarizar a sociedade. A comprová-lo estava o seu percurso académico: Cameron estudou em Eton e mais tarde, enquanto estudante em Oxford, pertenceu ao Bullingdon Club - um clube elitista de jantares de estudantes, conhecido pela riqueza e mau comportamento dos seus membros (do qual também fazia parte o seu futuro Chanceller, George Osborne). À medida que os anos passaram sobre a eleição do 'leader-in-waiting', a mudança do clima económico assim como a necessidade de combater a crescente popularidade do BNP (British National Party), trabalharam para sedimentar a convicção que Cameron seria 'at heart' mais conservador do que progressista. Em suma, Cameron seria o reflexo masculino de Margaret Thatcher - porém, como reflexo e não fonte original, Cameron seria mais fraco politicamente e menos talentoso individualmente do que o seu arquétipo. E dessa imagem, nunca mais se conseguiu libertar.

    Ontem ficamos a saber que Gordon Brown apresentou a sua demissão para viabilizar uma aliança entre Trabalhistas - Labour - e Liberais-Democratas - Lib-Dem. Hoje, ficamos a saber que tal demissão aponta também para o falhanço das negociações entre os Tories e os Lib-Dem. Na verdade, nem Labour, nem Lib-Dem, têm facilidade, ou antes estão interessados, em extender a mão através do fosso ideológico que separa o centro e o centro-esquerda da direita britânica sobre jugo de David Cameron - e o fantasma imortal de Thatcher. Como vários comentadores ingleses lembraram, tal coligação seria um defraudar das expectativas dos que, apesar da decepção, votaram Labour ou Lib-Dem nestas eleições. E se querem saber a minha opinião, foi precisamente esse o aspecto que mais determinou o resultado eleitoral: os britânicos queriam mudar de Gordon Brown, mas não queriam entregar o poder de bandeja a David Cameron. Entre os dois e o utopismo de Nick Clegg, acabaram por se dissipar. Não quer isto dizer que Cameron não chegará ao número 10 de Downing Street; continua a ser o cenário mais provável. No entanto, o que esta situação antecipa é a necessidade de novas lideranças e de novas eleições. Onde é que eu já vi este filme...

    terça-feira, maio 04, 2010

    Finalmente, o Gordon que faltava



    Fiasco atrás de fiasco: não há melhor forma de descrever a campanha eleitoral de 2010 de Gordon Brown. É pena, pois dos três candidatos, Brown parece-me ser o que está melhor informado e o que tem uma opinião mais equilibrada sobre os diferentes dossiers. Faltou-lhe sobretudo talento político: um sorriso grande estampado na cara, carisma, respostas prontas e faro para saber quando poderia ou não falar. No quadrante político, Brown foi mesmo míseravel, lembrando-me uma política portuguesa que, apesar de estar do lado da razão, não conseguiu convencer o eleitoral. Hoje, porém, Gordon Brown mostrou o que poderia ter sido a campanha, se tivesse mantido uma postura mais competitiva. Infelizmente, hoje é tarde de mais...

    segunda-feira, abril 19, 2010

    É só um bocadinho



    (Pst, pst. Huffington Post)


    Enquanto não recupero os meus apontamentos para acabar o diário da viagem ao Médio Oriente, ficam aqui duas fotografias inevitavelmente cómicas. Aconteceu durante uma missa em Malta no fim-de-semana passado. Esta história da pedofilia na Igreja Católica deve andar a roubar o sono ao Papa...ou talvez o Papa estava apenas a cumprir parte da experiência católica - adormecer durante a missa.

    quarta-feira, abril 07, 2010

    Dia 26 - Este 'país' não é para velhos


    (Do outro lado. IndigoeoMar)

    As coordenadas eram simples: encontrar-nos-íamos a meio da manhã na Al-Manara Square no centro de Ramallah. Chegar lá, era connosco. Para mim, que passei os últimos anos a ler sobre guerrilhas nas ruas da cidade, procurar um contacto em Ramallah soava-me a aventura, pelo que disse logo que sim, que lá estaríamos. Assim foi.

    Para chegar a Ramallah é necessário ir até à Porta de Damasco em Jerusalém e apanhar o autocarro 18. Logo ali, numa rua fechada ao trânsito por detrás do mercado, sente-me o ambiente tenso de uma zona de guerra: mulheres de cabeça coberta percorrem a rua com sacos de plástico nas mãos sob o olhar de militares empunhando metralhadoras. Após um pequeno compasso de espera para completar os lugares do autocarro (ou não fosse este um veículo árabe), partimos em silêncio e de cortinas quase fechadas em direcção ao check-point de Qalandia. Pouco depois, e sem qualquer tipo de interregno, atravessamos a enorme barreira que divide os dois territórios. Entrávamos na Palestina.


    Os nossos contactos eram Rawda e Issa Khouriya, um casal católico palestiniano que se lançou recentemente no negócio do turismo para financiar a construção de uma moradia de quatro pisos. Receberam-nos com notória inquietação – estavam preocupados com a limitação do tempo. Olhamos para o relógio e pensamos que os nossos anfitriões deveriam estar loucos: ainda não eram 11 da manhã e todos os locais que pretendíamos visitar ficavam a escassos quilómetros uns dos outros. Mal imaginávamos nós que nem teríamos tempo de engolir uma sanduíche.

    As deslocações de automóvel na Palestina são infindáveis torturas que ziguezagueiam entre colinas e depressões, pincham de lomba em lomba e estagnam ocasionalmente em submissão aos jovens israelitas que patrulham a região. Nenhum dos que vi aparentava ser tão velho quanto eu. Para completar o quadro, o nosso condutor demonstrava uma cabal falta de aptidão para a tarefa que lhe competia; acima de tudo, uma enorme dificuldade em detectar passeios, lombas e tudo mais que não se apresentasse no raio de um metro a contar em linha recta a partir dos seus olhos. Portanto, parte da pressa era dificuldade em deslocar-se.

    A outra parte era medo do escuro. Este sábado, dia de oração, coincidia também com um dos primeiros fins-de-semana depois de novo cul-de-sac no processo de paz. A segunda intifada começou assim. Será que a terceira começaria hoje? ‘Se a terceira intifada começar, vamo-nos embora,’ disse-nos a Rawda. ‘Halas, vamos embora!’ Grupos de crianças e pré-adolescentes claramente em busca de perigo começaram a ocupar as ruas. Fazia-se tarde e o Issa queria voltar a casa antes de anoitecer. Porém, o lençol da noite alcançou-nos a meio do caminho.

    Não nos deixamos apoquentar. Em breve, estaríamos em casa a digirir as histórias e as imagens que vimos num só de dia. De repente, ouvimos um disparo na berma da estrada, vemos um jovem esconder-se para lá de um pneu a arder e o Issa põe o pé no acelerador. ‘What the hell was that!?!’, perguntamos estremonhados, ainda a recuperar do susto. ‘Rubber bullets, no problem. Now you’ve had your little adventure in Palestine.’ Felizmente, a noite acabaria rapidamente para nós, mas, pelo aspecto da coisa à entrada de Ramallah, as guerrilhas voltariam nessa noite.